Nos últimos dois anos, novas políticas públicas buscam desenvolver o setor e ampliar o uso de inovações tecnológicas na produção e na gestão aquícola.

por: Evaristo de Miranda | Revista Oeste

“Como pode o peixe vivo
Viver longe da água fria?”
Peixe Vivo

No período das cheias na Amazônia, os rios crescem e encobrem árvores e arbustos em várzeas e igapós. Palmeiras inteiras ficam sob o manto das águas. Ali, os peixes parecem voar entre galhos, pousando e repousando entre ramagens. É curioso observar o voo dos tambaquis e de outros peixes amazônicos comendo as frutas das árvores, como tucanos. Ou arrancando as sementes de altos ramos, como papagaios. A nado. A diversidade de peixes na Amazônia é grande. E a produção pesqueira, muito limitada. Os estoques pesqueiros não conseguem alimentar a região. Manaus, Belém, Marabá e cidades amazônicas são abastecidas em peixes até pelo Vietnã.

O Brasil não produz pescado suficiente para atender à sua demanda interna. Graças a aquicultura ou aos peixes cultivados em cativeiro, essa realidade está mudando. Em 2019, o pescado importado representou cerca de 32% do consumo nacional. Em 2018, a participação externa foi 38%. Em 2017, era 43%. As importações tendem a diminuir. A lição do mercado permanece: o pangasius (Pangasianodon hypophthalmus), peixe criado no Vietnã, atravessa os Sete Mares e é competitivo na Amazônia. Em menos de 30 anos de introdução e aclimatação do tambaqui, a China se tornou a maior produtora mundial. E é a maior exportadora de peixes brasileiros criados em cativeiro. O tambaqui segue a sina da seringueira, da Amazônia à Ásia, para conquistar o mundo.

Peixe pangasius (Pangasianodon hypophthalmus) | Foto: Shutterstock

Mais de 90% da pesca brasileira ainda é essencialmente artesanal e de pequena escala. Ela atende ao autoconsumo, às comunidades locais e fornece para o mercado interno um total de cerca de 1 milhão de toneladas de pescado por ano. Já a aquicultura cresce com o uso de tecnologias modernas e o empreendedorismo dos produtores. E deverá superar em produção a atividade da pesca, com pescado de qualidade e custos mais reduzidos.

A piscicultura gera mais de 1 milhão de empregos diretos e indiretos

A cadeia da produção de peixes cultivados no Brasil atingiu a marca recorde de 802.930 toneladas em 2020. A receita foi da ordem de R$ 8 bilhões. A piscicultura gera mais de 1 milhão de empregos diretos e indiretos: desde a produção de ração até as fábricas de gelo. O Brasil já é o quarto maior produtor mundial de tilápia. Essa espécie exótica representa 60% da produção em cativeiro do país. Os outros 40% são espécies nativas. A liderança é do tambaqui, com cerca de 35% da produção.

Nos últimos seis anos, segundo levantamento da Associação Brasileira da Piscicultura, a Peixe BR, a produção de peixes de cultivo cresceu 39% no país. Ela passou de 578.800 toneladas em 2014 para 802.930 toneladas em 2020. E segue crescendo, como indica um mapeamento por satélite em curso dos tanques escavados e áreas de aquicultura nos Estados brasileiros pelo Sistema de Inteligência Territorial da Aquicultura da Embrapa.

Pesca artesanal | Foto: Shutterstock

Essa dinâmica está impulsionada pela Secretaria de Aquicultura e Pesca. Ela enfrenta um grande passivo para fomentar esse setor diferenciado de proteína animal. Como promover o ordenamento e o desenvolvimento sustentável da atividade aquícola e pesqueira? Como garantir a competitividade e a comercialização do pescado da aquicultura e da pesca legal? Como respeitar as peculiaridades de cada região e atrair investimentos privados para o setor?

Nos últimos dois anos, novas políticas públicas buscam desenvolver o setor e ampliar o uso de inovações tecnológicas na produção e na gestão aquícola. Avanços inéditos ocorreram nas atividades de aquicultura e pesca, tanto na pesca industrial como na artesanal, de subsistência, amadora e desportiva.

A desburocratização e a informatização na emissão de licenças, permissões e autorizações para o exercício da aquicultura e da pesca avançaram. O Decreto 10.576, de dezembro de 2020, sobre a cessão de corpos d’água sob domínio da União para a prática da aquicultura, simplificou os procedimentos para utilização de mais de 70 lagos de hidroelétricas. Seu potencial de produção é de 4 milhões de toneladas de pescado por ano!

A legislação obsoleta, repleta de duplicidades e dispositivos extemporâneos, está sendo modernizada, cuidando do meio ambiente e da sustentabilidade. Essas mudanças e o novo sistema de cadastramento de pescadores garantem direitos sociais aos trabalhadores do setor e acesso ao crédito rural.

Foto mostra fazenda de cultivo de tilápia da Fider Pescados, em Rifaina/SP

Empresas e cooperativas do setor de aves e suínos se interessam e deverão investir em aquicultura, a exemplo de cooperativas agroindustriais, como a CVale e a Copacol. A oferta de pescado ainda é pouca no Brasil. Graças ao empreendedorismo dos produtores, à incorporação de tecnologias e ao apoio de novas políticas públicas para a pesca e a aquicultura, a multiplicação dos peixes ocorrerá. E não será um milagre evangélico.

Os peixes são um signo do zodíaco. E, se os cristãos fizeram do peixe um dos seus símbolos, é porque ele era também o símbolo do próprio Cristo. Em grego, peixe, Iktus, é o anagrama da palavra Cristo. Nesse ideograma, cada uma de suas letras é vista como a inicial de palavras que traduzem Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador: I de Iesus, Jesus, k de Kristos, Cristo, T de Theu, Deus, U de Uios, Filho, de Soter, Salvador. Daí a presença de figurações de peixes em monumentos cristãos como pias batismais, igrejas, túmulos, altares, etc. Hoje, o símbolo anda até em evangélicos automóveis.

O padre Antônio Vieira pregou aos peixes em São Luís do Maranhão, em 1654. O Sermão de Santo Antônio, conhecido como Sermão aos Peixes, é uma obra-prima. Arriscando ser lançado ao mar ou às piranhas pelos iníquos poderosos, Vieira pregou-o três dias antes de embarcar ocultamente para Portugal, afim de procurar remédio para a salvação dos índios injustamente escravizados. Era mais fácil os peixes ouvirem-no na defesa dos índios, na denúncia da escravidão e na busca da justiça do que os escravocratas nos bancos da igreja. Vieira afirma logo no início do sermão: “…quero hoje, à imitação de Santo Antônio, voltar-me da terra ao mar, e já que os homens se não aproveitam, pregar aos peixes. O mar está tão perto que bem me ouvirão. Os demais podem deixar o sermão, pois não é para eles”.

Quem quiser pode experimentar. Falar aos peixes funciona. É bom também para compartilhar, verbalizar e confessar pecados. Os peixes ouvem em silêncio injúrias, elogios, relatos, confissões e pregações. Não comentam nada com ninguém. Guardam segredos de confissão, como um padre tradicional do interior. Os movimentos de suas guelras são, na realidade, um abre fecha de ouvidos e movimento de orelhas atentas.

Os peixes são a imagem das realidades interiores de cada pessoa. Das águas do inconsciente, faltas, fraturas, perdas, gestos inconfessáveis, conteúdos recalcados emergem, flutuam, vêm à luz. Às vezes, são necessários cardumes imensos, dependendo do pecador e dos pecados, para transportá-los à tona. Depois, eles levam esses conteúdos ao mar. Resolvem o assunto e concluem o processo. Isso se não forem capturados por alguma pesca maravilhosa.

Para a mística judaica e cristã, os peixes são capazes de penetrar na força sagrada dos abismos e revelar seus mistérios. Os sonhos, as imagens e a emergência do peixe na vida humana evocam esses conteúdos aparentemente perdidos em águas escuras e profundas. Eles vêm à tona e pedem para ser entendidos, desembaralhados, ouvidos, avistados, pescados e saboreados. Comprar e comer peixes pode ser algo metafísico. Os peixes são um alimento fecundo e um exemplo adequado. Como o trigo no pão e a uva no vinho, os peixes estão entre os produtos mais sagrados do agronegócio.

Na política, a música Peixe Vivo, com mineirices e ensinamentos, marcou a vida pública do ex-presidente Juscelino Kubitschek. Hoje, é quase um hino de Diamantina, sua cidade natal. Peixes trazem tesouros imersos, revelam significados da vida. Ensinam. Um pouco como na tradicional e bélica cantiga de marujada: “Quem me ensinou a nadar, quem me ensinou a nadar, foi, foi marinheiro, foi os peixinhos do mar”.

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