Sobre a efemeridade das relações: O grande paradoxo do sujeito pós moderno, carregado de incertezas e inseguranças, é a relação com o tudo e o nada ao mesmo tempo. A sociedade, ao contrário do século XX , não pensa e não consegue traduzir seus desejos em longo prazo. É tanta gente querendo um relacionamento sério para quantidade de gente solteira. Por que essa equação não fecha? São os amores líquidos!
Para entendermos os amores líquidos, façamos uma reflexão a respeito da sociedade atual. Zygmunt Bauman nos apresenta a sociedade líquida, também conhecida como pós moderna, aquela que não cria formas fixas – tudo muda e se transforma o tempo todo, num período muito curto. A sociedade, ao contrário do século XX , não pensa e não consegue traduzir seus desejos em longo prazo. O grande responsável por esse comportamento tão mediatista são as tecnologias, que ao abrir um mundo de possibilidades ao entorno do sujeito, os deixa acomodado e condicionados ao aqui e agora. Essa forma de se relacionar com a era digital reflete diretamente nas relações interpessoais. O grande paradoxo do sujeito pós moderno, carregado de incertezas e inseguranças, é a relação com o tudo e o nada ao mesmo tempo. O que se observa são várias pessoas escondidas através da exposição das redes sociais: intimidades compartilhadas, muitos amigos e a sensação de vazio e solidão. É tanta gente reclamando de como está difícil encontrar alguém, que é difícil pensar que haja tantos desencontros. É tanta gente querendo um relacionamento sério para quantidade de gente solteira. Por que essa equação não fecha?
São os amores líquidos!
O mundo digital permite o sujeito ser o que quiser e se relacionar com várias pessoas ao mesmo tempo. As tecnologias se tornam uma espécie de escudo que possibilita esconder toda insegurança, na mesma medida em que permite uma grande exposição de si mesmo e do outro; o que implica diretamente nas relações baseadas em imagens construídas, levando a um jogo de sedução compartilhado entre vários jogadores ao mesmo tempo. Pois é, os amores líquidos são construídos e baseados como um jogo, em que ganha aquele que menos se mostrar e que mais parecer indiferente, digamos que é uma constante política de valorização ao contrário. – o grande barato é visualizar e não responder de imediato para que o outro veja que foi visualizado e não respondido, o que vai despertar um maior interesse ou vai fazer com que a pessoa simplesmente se canse e comece a te tratar como mais um em sua lista de contatos. Mas não tem problema, pois dificilmente alguém vai flertar com uma única pessoa. O barato é ampliar as possibilidades e conversar com várias simultaneamente.
O mais interessante é pensar esse processo avesso que ocorre no mundo globalizado – Ao invés das pessoas estarem mais próximas estão cada vez mais distantes. O panorama que se abriu a partir do advento tecnológico tem limitado as comunicações. E são poucas as pessoas que param para refletir sobre esse paradoxo, afinal é difícil se pensar em algo diferente da realidade em que se tem hoje, onde tudo acontece muito rápido e está ao alcance das mãos sem precisar sair do lugar. É quase inviável pensar num mundo sem tecnologia! Mas ele existiu. E há quem diga que as pessoas aproveitavam bem mais a vida. Não sei se cabe fazer essa comparação, afinal, cada tempo é um, mas vale refletir sobre a forma com que as pessoas se relacionavam anterior a era digital.
Na época dos nossos avôs, por exemplo, em alguns casos de nossas mães, em que não havia computador ou era privilégio de uma minoria, smarthfones – esse não existia mesmo! – A comunicação acontecia através de cartas, telefones ou pessoalmente. Era tão emocionante escrever e receber uma carta. E o telefone? Esse era artigo de luxo, portanto era controlado. O momento do telefonema era sagrado! As pessoas sabiam esperar.
Sabiam esperar para receber a carta, o telefonema ou o convite para comer uma pipoca na pracinha. Os encontros aconteciam pessoalmente, os grupos não eram formados por whatsapp ou facebook, eram grupos da escola, da rua. Houve um tempo em que as pessoas marcavam os horários e entravam no mesmo chat por telefone com pseudônimos, estes que os amigos de verdade, sempre sabiam quem era. A sensação que se tem é que mesmo sem o auxilio da internet, havia menos desencontros entre as pessoas. O que acontece é que em outros tempos, não havia tantas possibilidades, o número de lugares que se freqüentava era limitado, assim como o número de pessoas com quem se poderia desenvolver um relacionamento; no mínimo a menina (o) da rua de trás ou da escola, no máximo do bairro vizinho, filho/filha de um amigo dos pais, além dos romances entre primos. Sem contar a época dos casamentos arranjados.
Não tem como negar os avanços não só tecnológicos, mas cultural – As pessoas hoje têm a mente mais aberta e uma maior liberdade de fazer suas próprias escolhas. Isso deveria nos proporcionar estar mais juntos, encontrar mais pessoas e conseqüentemente conhecer alguém especial. Mas não é o que acontece! Conforme as características da sociedade líquida de Bauman, assim como o comparativo do passado com a atualidade a gente começa entender o que está faltando para esses amores líquidos se tornarem sólidos.
O sujeito da sociedade líquida está aberto a encontrar pessoas, mas não a conhecer. As pessoas não criam relações, mas teias comunicacional. Se falamos com todos ao mesmo tempo, não damos atenção verdadeira a ninguém. Dessa forma perde-se a singularidade, o outro é só mais um. Fica difícil se tornar especial para alguém! Para conhecer é preciso que haja disposição. Existe todo um processo entre o primeiro contato e o ganho de confiança e segurança, que vai te permitindo conhecer cada vez mais a outra pessoa e aí sim decidir se vale ou não apena. Querer alguém é diferente de estar totalmente disposto e se permitir verdadeiramente. – É preciso calma! É preciso tempo! Coisa que falta para o sujeito da sociedade líquida, que é ansioso demais, quer tudo para ontem! Quer conhecer alguém e logo partir para o finalmente, ceder aos extintos, matar o desejo e partir para outra – a não ser que realmente bata, surja algo diferente – mas tem que surgir durante essas horas em que se está junto! – Isso é impossível! As coisas não acontecem assim. E lá vai o sujeito voltar para o Tinder para escolher o próximo no cardápio.
Não se trata aqui de recriminar aqueles que optam por esse tipo de relação, a questão é que tem muita gente se enganando. Entram nesse tipo de aplicativo feito exclusivamente como um cardápio humano, mas esperam e querem, verdadeiramente, algo a mais. E mesmo aqueles que dizem buscar o prazer pelo prazer uma hora vão cansar. Mas aí, não tem problema! É só baixar o aplicativo lançado recentemente para quem quer namorar, o Kickoff. Diferente do Tinder ele tem um número limitado de curtidas e os contatos são localizados a partir do contato de amigos de seus amigos nas redes sociais.
Aplicativos a parte, cada um baixa e segue o que melhor supre suas necessidades, só não esqueçam o segundo time, aquele momento de conhecer o outro. Nenhuma tecnologia substitui o olho no olho – Parece que as pessoas de tanto touch estão perdendo o tato. Você pode e deve usar a tecnologia para facilitar a vida de modo geral, inclusive para ajudar na busca de um amor – já vi muitos casais formados através desses aplicativos. A questão é que esse deve ser o passo inicial do primeiro contato, no mais, repito você precisa estar disposto. Entender que as coisas precisam de um tempo para florescer faz parte do amadurecimento necessário em qualquer relação. Muitas vezes você pode ter encontrado alguém super especial, mas que você sequer notou, afinal faltou tempo e disposição para perceber o quanto aquela pessoa poderia fazer a diferença na sua vida. Acredite! Mesmo em sociedade líquida é possível viver amores sólidos, basta querer, verdadeiramente.