Por Claudio Sassaki

Conhecer o passado para compreender o presente e idealizar o futuro”

A frase, creditada a Heródoto, encaixa-se perfeitamente em uma elaboração mais crítica dos alicerces da educação no país.  O embrião do ensino no Brasil data de 1549 e tinha por foco a catequização conduzida pelos primeiros jesuítas que desembarcaram na Bahia. Com uma estreita relação com o governo português e estruturada pela Igreja Católica, as primeiras escolas eram improvisadas: para os alunos indígenas, as aulas eram ministradas nas missões; para os filhos dos colonos, em colégios. Sem formação específica e com objetivo doutrinário, os sacerdotes-professores adotavam o teatro e a poesia como estratégia pedagógica e instrumento de transmissão da doutrina católica – valores morais, cultura europeia e disseminação da Língua Portuguesa. Em 1759, quando os padres foram expulsos do país e de Portugal pelo Marquês de Pombal, houve o início de uma reforma na educação com o objetivo de modernizar o reino de Dom José I. Em substituição aos religiosos, professores públicos (régios): laicos que foram contemplados com títulos de nobreza. Nessa origem, está o nosso modelo de ensino.

Pouco mais de dois séculos depois, a tecnologia começou a dar as caras na educação brasileira. Assim como nos Estados Unidos, no Brasil foi o ensino superior quem primeiro contou com os benefícios dos então potentes processadores de dados. O debate sobre uso de computadores no processo de ensino-aprendizagem foi protagonizado pela Universidade Federal de São Carlos (SP) que discutia, em 1971, como usar a nova tecnologia para o ensino de Física. Disseminando-se em outras faculdades, logo a questão chegou até a educação básica por meio de políticas públicas. Em 1989, o governo federal criou o Programa Nacional de Informática na Educação (Proninfe), predecessor do famoso Programa Nacional de Tecnologia Educacional (Prinfo), de 1997.

Essa movimentação em favor da inclusão das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) no ambiente de aprendizagem foi coerente com o momento: na década de 1990 que houve a massificação dos computadores, que passaram a dominar o cotidiano. De lá para cá, a forma de ver, se comunicar e interagir com o mundo, virtual e físico, é outro. Se demorou menos de três décadas para que essa revolução acontecesse, como é possível prever o que mais vem por aí?

Diante da herança secular, da origem do sistema educacional brasileiro, das iniciativas de cinco décadas de debates sobre o uso das TIC na educação e da arraigada crença de que “somos o país do futuro”, como trazer a educação do futuro para o presente? Para responder à questão, cabe fazer outros questionamentos bastante críticos. A primeira pergunta que devemos responder – pais, educadores e toda a comunidade escolar – é qual formação queremos garantir para os jovens. Se queremos promover os desenvolvimentos necessários à realização pessoal, à cidadania ativa, à inclusão social e ao emprego, precisamos pensar nas demandas do futuro que já estão presentes. Peço desculpas pelo trocadilho.

A cada momento, nos deparamos com novas tecnologias e novas profissões; estamos falando de inteligência artificial, biotecnologia e realidade virtual…só para começar. Apesar das incertezas, a tendência é clara e teremos cada vez menos ocupações que exigem competências meramente técnicas. Hoje, o mercado de trabalho nos cobra competências que não estão sendo estimuladas no modelo passivo de aprendizagem – que envolve colaboração, pensamento crítico, comunicação e criatividade, entre outras habilidades.

Para trazer a educação do futuro para o presente, devemos trabalhar para educar uma nova geração de brasileiros autônomos, críticos, inovadores, capazes de se reinventarem diante das novas demandas e das rápidas transformações mundiais. E isso passa pelo uso da tecnologia dentro da sala de aula, mas dentro de um contexto de intencionalidade pedagógica. Não podemos correr o risco de ensinar conteúdos que ficarão obsoletos; buscamos ensinar o aluno a aprender cada vez mais. Óbvio que temos o desafio de contextualizar esse uso e auxiliar os jovens a lidar com os desafios e oportunidades apresentados pelo mundo digital. Mediar esse conhecimento digital é uma tarefa que a comunidade escolar deve assumir.

Claudio Sassaki

Na minha análise, para trazer a educação do futuro para o presente temos que desmistificar a noção de que a tecnologia desumaniza; ao contrário, ela possibilita que o professor foque no que realmente importa, porque traz tempo, dados e possibilidades de personalização. Além disso, pode habilitar aprendizagens ativas e significativas. O fato é que as escolas têm sentido o peso do tempo. O desafio educacional proposto pelo século XXI tem sido pautado pela urgência de formar cidadãos preparados para lidar com complexidades de um contexto no qual a tecnologia avança de maneira exponencial. E, cabe aqui, destacar que o Colégio Avance está sendo pioneiro, em Tangará da Serra, nesse processo inovador. Neste cenário e diante da impossibilidade de prevermos as profissões que surgirão na próxima década – 85% das profissões que teremos em 2030 não existem hoje, de acordo com a Dell Technologies –, educadores e pais vivenciam a demanda de formar indivíduos críticos e colaborativos, capazes de compreender o ambiente local, regional e até internacional para criar formas para impactar positivamente a sociedade.

A tecnologia já revolucionou diversos setores. Da agricultura à medicina são muitos os exemplos no qual o suporte digital abre novas oportunidades, potencializando benefícios e otimizando rotinas. O setor educacional, entretanto, apresenta-se como um contraste à tendência. Justamente no segmento que lida com uma geração que já nasceu conectada, a tecnologia tende a ser deixada do lado de fora da sala de aula. Quando pensamos que os primeiros debates sobre uso de tecnologia no ensino são da década de 1970 – e as primeiras políticas públicas do final dos anos 1980 –, temos a dimensão do peso do tempo que as escolas carregam e há quanto estamos negligenciando o que para outros países já é um debate superado e colocado em prática. Em visita recente da equipe da Geekie a escolas da Nova Zelândia e Austrália – acompanhando educadores de 30 estabelecimentos de ensino integrantes da Rede de Escolas Associadas da UNESCO (Organizações das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura) – vimos que a proposta de formar cidadãos para o século XXI com apoio da tecnologia já permeia o sistema educacional há alguns anos. Neste contraponto, se considerarmos também a herança secular de nossa educação, a dimensão da falta de preparo das nossas escolas para as demandas atuais fica ainda maior; está presa, inclusive, a um passado que precisa sair da essência da escola e se limitar às páginas dos conteúdos de história.

Despertar no aluno o gosto por aprender continuamente e desenvolver uma grande capacidade de adaptação são habilidades que estão no cerne de profissões que ainda nem existem. Levantamento da Fundação Instituto de Administração (FIA) – que aponta as 45 profissões do futuro – traz atividades como advogado especialista em proteção de dados; analista de Big Data; analista de comunicação com máquinas; analista de ética; atendente virtual de pacientes; cientista de dados; conselheiro de tecnologia na área da saúde; consultor (agricultura urbana, de entretenimento pessoal, espiritual, financeiro de criptomoeda); corretor de seguros de dados; curador de dados pessoais; designer instrucional; designer de realidade aumentada; detetive de dados; diretor de cloud computing; diretor de user experience (UX); engenheiro de energias renováveis;  gestor de Edge Computing; e gestor de inteligência artificial para smartcities. Esses são apenas poucos exemplos de profissões que nossos jovens vão exercer. E para as quais devemos, pais e educadores, prepará-los. Sentiu o peso da responsabilidade?

Como mestre em Educação e com a experiência que adquiri em sete anos de atuação da Geekie – mais de 12 milhões de alunos –, entendo que a maneira de pensar e processar conhecimento é fundamentalmente diferente para crianças e jovens que nasceram expostos a um volume imenso e constante de informação. E isso interfere diretamente nas estratégias de aprendizagem que precisam ser desenhadas. Para estudantes no século XXI, a interação, a motivação e a linguagem possibilitada pelo digital – e o envolvimento ativo com o conteúdo – são muito importantes na construção do conhecimento. No Brasil, para trazer a educação do futuro para o presente, temos que ter coragem, sobretudo os pais, para reconhecer que enquanto a inovação tem sido tratada pelas corporações privadas como uma questão estratégica, permanece como uma agenda política marginal na maioria dos sistemas educacionais. Para mudar esse cenário é preciso transformar a escola e o mindset de pais e educadores. 

| Claudio Sassaki é mestre em Educação pela Stanford University e cofundador da Geekie, empresa referência em educação com apoio de inovação no Brasil e no mundo.

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